Há um dia para tudo, hoje resolveram atribuir efeméride a sítios e património.Recordo a propósito lugar próximo da vila da Pampilhosa, pouco adiante da quinta da Feteira,onde habitantes da aldeia da Póvoa possuíam fazendas ou hortas, como designamos por estas bandas pequenas courelas de cultivo de " primores" agrícolas , destinados a consumo próprio: Vale da Maia,assim apelidado o rincão.Lembro primeira vez lá passei , na beira do caminho poeirento ,vi cruz de ferro, CRUZ DO VALE DA MAIA,algumas vezes citada pelos saudosos defuntos avô, paterno,Joâo Carloto, e meu pai, referencia e poiso de resineiros no tempo da servidão que caracterizou durante décadas quotidiano da gente serrana.
Lugar emblemático,emoldurado pelas cumeadas da Toita e Decabelos.No século XIX , o Vale da Maia,seria habitado, próximo ficava outro casal,chamado o Escaldado, também desaparecido.
O topónimo,sempre alimentou fantasiosas definições, procurei saber significado, diziam Maia, estava relacionado com as antigas festas das maias , realizadas pelos pastores durante mês de maio para assinalar regresso dos rebanhos as pastagens das alturas da montanha, e pedir aos "deuses" dádiva de bom ano pastoril.
Neste local pastores e rebanhos, juntavam-se antes de subirem as encostas onde mato recente de urze e carqueja, a erva alpestre, eram prenuncio de fartura para o gado , e muito leite e queijo.Estas celebrações de origem pagã,foram "domesticadas" nos rituais cristãos, para o Vale da Maia,afluíam rebanhos e pastores da Vila da Pampilhosa , aldeias da Póvoa ,Decabelos, Pescansecos e também dos senhores do "morgadio da quinta da Feteira", com finalidade serem benzidos,pelo pároco da freguesia, normalmente , dia de Santa Cruz, inicio de Maio.
Os rebanhos senhoriais ficavam nas terras do "morgadio", os do povo, subiam para os cumes onde terrenos baldios propriedade do concelho eram utilizados colectivamente.Não existindo no sitio capela; onde o "prior" procedia a "bênção" dos animais , ficava assinalado com uma cruz, no principio de "madeira" posteriormente para garantir maior durabilidade, alçaram no topo de pequena colina no cruzamento de caminhos, cruz de ferro.Não sei ainda existirá,no entanto, na memória quedará, CRUZ DO VALE DA MAIA,símbolo da fé e tradição de povo de pastores , do qual orgulhosamente descendo.Sitio mágico património de todos Pampilhosense.Na foto a cruz ficava, sensivelmente, próximo do cruzamento de caminhos no centro da imagem.
Tempo quaresmal culmina na Pascoa da ressurreição dos crentes católicos passou.Para mim efeméride marcante destas festividades repousa nos idos da infância.Tal qual inicio do evangelho,e dos meus sermões infantis , parte notável das minhas travessuras, começarei assim :
Naquele tempo, quaresma marcava quotidiano da vila de Pampilhosa da Serra, a noite o sino grande da torre tocava chamando fieis a dedicarem oração as almas do purgatório , especialmente as mais abandonadas , esquecidas dos viventes.O toque da campana ecoando no escuro da treva nocturna, infundia respeito.o templo paroquial com altares e santos envoltos em panos pretos,quando entrava, apertava meu pequeno coração com tanta tristeza. A noite via sacra, o povo a rezar virado para as predes onde pendiam quadros representando estações do caminho de Cristo em direcção ao martírio da crucificação. Outro momento impressivo e solene mulheres agasalhadas xailes negros tapando cabelos lenços , ou véus da mesma cor, homens catadura grave , alguns com cabeções igualmente negros.Tudo tristeza e amargura.
As procissões da Semana Santa, Com imagens faces quase humanas, Venerando Senhor dos Passos , Nossa Senhora da Soledade durante todo ano ,guardados na igreja da misericórdia,saiam em andores solenes, só de contemplar,sentia vontade de chorar; ensinavam a causa daqueles faces de sofrimento eram meus pecados, em abono de verdade, não sabiam quais eram, melhor sabia mentir era pecado, ver raparigas tomar banho na ribeira só de combinação, escondido , nas videiras na parede do chão grande da quinta dos Silvas em Vale Covo , também seria pecado grave...
Sermão do encontro , quando as imagens do senhor dos Passos e Nossa Senhora da Soledade, com alvo pano nos braços , se encontravam na esquina das ruas da quinta e ribeiro , a entrada da Praça. o senhor Padre proferia empolgado e convincente sermão, a maioria do povo presente , até eu vertíamos lágrimas sentidas de remorso e arrependimento dos pecados que tanto mal causavam as divinas criaturas.
Sábado da Aleluia dez horas da manhã tudo mudava , repicava o sino anunciando a ressurreição do Senhor, malta corria pela artérias do burgo, e gritava "Alelua , Alelua, amêndoas cá para rua".
Começava fase Pascal que gostava, ruas varridas cobertas com alecrim juncos e rosmaninho , esterqueiras cobertas com mato recem roçado;colocados nas janelas vasos onde se havia semeado trigo, agora estava viçoso e verde, alegoria do pão, de reminiscências hebraicas.Tudo preparado para passagem no Domingo de Páscoa da Cruz do Senhor visitava , casa dos paroquianps.
Em vale Covo avô matava cabrito que avó Emília assava no forno onde ao mesmo tempo cozia broa pão de ló e folar para dar as afilhadas.Eu recebia sempre folar da madrinha e minha tia Maria
Era assim em dois tons a Páscoa da minha infância, num recôndito cantinho de Portugal , longe de tudo, não muito propicio a grandes alegrias.Confesso apesar de tudo passei tempo de encantamento,como prova a "escritura " aqui deixo.Aleluia